sábado, 26 de novembro de 2016

A física na crise dos mísseis cubanos de 1962

Hoje, 26 de Novembro de 2016, lamenta-se ou celebra-se a morte de Fidel Castro, ditador/líder revolucionário, dependendo de quem diz. Vamos aqui aproveitar o episódio para aprender sobre a importância da física para um dos episódios mais ameaçadores do século passado.

Um rápido resumo histórico: Em 1959 Fidel Castro, seu amigo "Che" e seus guerrilheiros conseguem depor o ditador militar Fulgêncio Batista, aliado dos Estados Unidos, e iniciar um regime político com a promessa de ser do povo cubano para o povo cubano. No entanto, a reação dos EUA foi constante, e permanecer uma ilha, geografica e politicamente, não garantiria a sobrevivência do regime e do governo revolucionário. Naquela época, clima tenso de guerra fria, de Macarthismo, de separação do mundo em imperialistas capitalistas e comunistas comedores de criancinhas, se seu inimigo era um, era natural se aliar ao outro. Foi o que Cuba fez se aliando à União Soviética.

Nessa época também se corria para desenvolver armas para ameaçar o outro lado. Numa guerra de grande escala, basicamente existem duas opções: uma é deixar a bomba cair do alto na cabeça do coleguinha, outra é lançar a bomba da sua casa diretamente para a casa do coleguinha. A primeira exige uma força aérea bem desenvolvida, com aviões capazes de voar a grandes alturas por longos períodos, e a segunda exige tecnologia de foguetes avançada. Se você tiver bombas nucleares colocadas em foguetes de longo alcance, a ameaça é garantida.

Bombas Nucleares

Uma bomba nuclear é um explosivo que aproveita a energia liberada em processos de fissão ou fusão nuclear. Para uma mesma quantidade de explosivo, uma bomba nuclear libera uma energia cerca de 1 milhão de vezes maior que uma bomba de combustão comum. Isso porque a energias potenciais armazenadas nos núcleos atômicos são 1 milhão de vezes mais intensas que a energias potenciais químicas liberadas num processo de combustão como a queima da pólvora.

Para entender o porquê disso, lembre-se que a energia potencial entre duas cargas é proporcional ao inverso da distância entre elas, isto é $$ E_p = \frac{k q_1 q_2}{d} $$ Um processo de combustão envolve reorganizar os elétrons ao redor das moléculas para formar novas moléculas. As distâncias típicas aí são da ordem de $10^{-9}$ metros. Por outro lado, um processo de fusão ou fissão nuclear envolve mexer no próprio núcleo atômico, e aí estamos falando de distâncias de aproximadamente $10^{-14}$ metros. Assim, a energia envolvida num processo nuclear seria no mínimo $10^5$ ou $100000$ (cem mil) vezes maior que dum processo químico. Quando incluímos cálculos mais precisos ainda chegamos no valor de 1 milhão.

No box ao fim do post incluo um simulador da explosão de diferentes tipos de bombas.  

De acordo com este artigo da revista Foreign Policy, em 1962 os Estados Unidos tinham um poder nuclear de aproximadamente 40 mil bombas de Hiroshima, enquanto a União Soviética cerca de 10 mil. Mas ter esse poder destrutivo não significa nada se você não conseguir jogar na cabeça do seu melhor inimigo.

Tipos de Mísseis

Um míssil é um foguete, um aparato aerodinâmico que ganha energia mecânica à medida que consome combustível. Um míssil balístico é um que esgota todo o seu combustível bem antes de atingir o alvo, e a partir daí ele segue simplesmente pelo seu movimento balístico usual (lembra das aulas no primeiro ano?). Quanto mais combustível, mais energia, e mais longe consegue chegar. Só que quanto mais longe, mais difícil fazer cair exatamente onde você quer. Então ajustes finos da trajetória comunicados por rádio, por exemplo, se tornam necessários. Adicionalmente, mais combustível significa mais pesado, o que dificulta também as coisas.

Os mísseis são classificados por seus alcances. Os mísseis balísticos são abreviados em SR, MR e IR, que significa respectivamente Short (curto), Medium (médio) e Intermediate Range (intermediário alcance) , seguido de BM, Ballistic Missile. Depois desses, os temidos ICBMs, Intercontinental Ballistic Missiles, ou Mísseis Balísticos Intercontinentais.

Tipo Alcance
SRBM (curto) < 1000 km
MRBM (médio) 1000 km a 3000 km
IRBM (intermediário) 3000 km a 5500 km
ICBM (Intercontinental) > 5500 km
Dica: sugiro brincarem no Google Maps e ver o tipo de míssil necessário entre países de sua escolha.

Mísseis em 1962

Numa guerra entre as duas maiores potências, não basta ter bombas nucleares. Elas precisam chegar até o alvo. Uma maneira é usando Bombers, aviões bombardeiros. De acordo com o artigo da revista Foreign Policy, enquanto em 1962 os EUA contavam com cerca de 1000 Bombers a URSS possuía um décimo disso. Outra opção é mandar as bombas por mísseis. Como a distância entre quaisquer pontos entre os EUA e União Soviética é superior a 8000 km, os mísseis intercontinentais são fundamentais nesse cenário. Nessa época, os EUA contavam com 200 ICBMs prontos para serem colocados no ar, enquanto a URSS com algo em torno de 50. Além disso, os EUA já tinham bases com mísseis de médio e intermediário alcance na Itália e na Turquia, o que colocava a União Soviética em enorme desvantagem.

Assim, a revolução em Cuba e a necessidade de apoio internacional veio num bom momento para Khrushchev. A distância de Cuba para os EUA está entre 400 km e 5000 km. Com mísseis de médio alcance já se seria capaz de destruir grandes cidades, enquanto com os baratos mísseis de curto alcance já se poderia provocar um gigantesco estrago na Flórida. E foi o que a União Soviética fez ao deslocar vários regimentos de mísseis, além da artilharia anti-balística, para a ilha. A movimentação foi vista por aviões espiões dos Estados Unidos, o que deixou ambas as potências muito próximas de iniciarem um ataque.

O fim da crise

Depois de um bom tempo de tensão, e alguns dias em que o mundo inteiro poderia jurar que a Terceira Guerra Mundial estava prestes a ter início, Khrushchev e Kennedy chegaram num acordo. A União Soviética retiraria seus mísseis de Cuba, os EUA retirariam seus mísseis da Itália e da Turquia, além da promessa de jamais invadir Cuba. Além disso, se estabaleceu uma linha de comunicação direta entre Washington e Moscou, para evitar "mal-entendidos" futuros.

De certa forma, a crise dos mísseis de Cuba foi o ápice da tensão e o início da queda da tensão entre as duas potências. E a pequena ilha, que hoje vê a morte de sua personalidade mais importante (para o bem ou o mal), teve o protagonismo desse episódio.
Para mais: Além dos infinitos artigos da Wikipédia sobre a crise dos mísseis e os detalhes sobre cada míssil da época, recomendo ainda esta postagem interessante do site Russian Space Web, além da matéria já linkada lá em cima da revista Foreign Policy. Recomendo ainda esse simulador de explosões nucleares.